Carlos Heitor Cony
Impossível não escrever sobre Chico Anysio, apesar da compacta e mais que merecida cobertura que ele recebeu da mídia em geral e de seus admiradores, vale dizer, do Brasil inteiro. Impossível também destacar os comentários feitos por tanta gente entendida em sua vida e obra. Tenho para mim que a melhor observação foi a de Boni, um dos responsáveis pelo sucesso do Chico -evidente que depois do próprio Chico e do advento do videotaipe na TV.
Boni disse que preferia o grande ator como ator mesmo, "in natura", sem perucas e maquiagens, evitando a pele dos notáveis personagens que criou. Penso da mesma forma: o Chico de cara limpa e roupa comum era ao mesmo tempo o ator e autor de si mesmo. Paulo Francis costumava dizer que ele era o momento mais inteligente da nossa indústria de entretenimento.
Não o considero humorista, mas ator capaz de criar os personagens que admiramos. Dois deles sempre me deram inveja pela originalidade, perfeição e simplicidade da arquitetura cênica e literária: o Pantaleão e o Limoeiro.
Qualquer intérprete que componha um tipo com acessórios e textos adequados, fatalmente fará sucesso. Mas Pantaleão tem apenas uma cadeira de balanço, bem nordestina, um olho tapado e o outro olho, esperto, esse sim, uma criação de gênio. Não precisa de texto: o olho que lhe resta diz tudo, nem precisa do bordão ("É mentira, Terta?") para sabermos que ele não está mentindo, mas expressando um passado que ele criou e no qual acredita.
O coronel Limoeiro também evita acessórios, tem a limpeza de meios que contrasta com outros tipos que resvalam para a caricatura. O terno branco, o chapéu e o sotaque resultam num personagem que Graciliano Ramos, Zé Lins e Jorge Amado se esqueceram de ter criado.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 27/03/2012.