quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O mecenas estatal

Rodrigo Constantino


As obras de arte, a literatura, os filmes e a música - tudo aquilo que procura dar um sentido mais elevado à nossa existência, enfim - merecem especial atenção de quem estiver preocupado em evitar que a vida seja uma simples rotina pela sobrevivência material. Os homens têm (ou deveriam ter) sede por cultura, o alimento da alma. Mas surge logo a questão: qual tipo de cultura?

Muitas pessoas bem-intencionadas defendem que o Estado deve se imiscuir nessa tarefa e estimular a cultura nacional.

Sua premissa costuma ser a de que o povo consome lixo porque os grandes veículos de comunicação empurram goela abaixo dos consumidores somente porcaria. Mas, como já disse o George Stigler, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, "o mercado reage aos gostos dos consumidores com bens e serviços vendáveis, sejam os gostos refinados ou grosseiros".

O mercado é eficiente no atendimento da demanda. A qualidade não é responsabilidade da TV, da editora, da rádio ou do estúdio de cinema. Quem culpa os produtores erra o alvo. O YouTube, por exemplo, oferece vídeos para todos os gostos. É possível encontrar excelentes concertos e documentários, e também há muita besteira. Se os vídeos idiotas recebem mais atenção, não é culpa do YouTube.

A postura de quem deseja mais intervenção estatal na cultura parece um tanto arrogante. Acredita-se que as escolhas dos consumidores deveriam ser "melhores". Mas quem vai decidir?

Os defensores de "reservas de mercado" para produtos nacionais gostariam que o povo escolhesse filmes brasileiros em vez de "enlatados" de Hollywood. Mas os próprios consumidores querem os filmes americanos. Ninguém é obrigado a vê-los.

Os estúdios americanos são ricos justamente porque priorizam os seus consumidores. Já os filmes franceses, feitos para agradar aos próprios produtores subsidiados pelo governo, são adorados pelos intelectuais, mas desfrutam de baixa receptividade popular.

Aplaudir este modelo é acreditar que o povo, por meio de seus impostos, deve ser forçado a sustentar as preferências da elite. Isso é incompatível com a liberdade de escolha.

Além disso, há o claro risco de proselitismo nas artes. Quando os príncipes católicos eram os únicos mecenas na praça, toda a arte era voltada para satisfazer as suas crenças religiosas. Não se pode negar que obras maravilhosas nasceram assim. Tampouco se deve ignorar que a abrangência de temas foi ainda maior com o avanço da burguesia.

Em sua biografia sobre Mozart, Norbert Elias mostra como esse gênio "burguês" foi capaz de romper com a dependência exclusiva da aristocracia da corte, e como isso foi fundamental para sua obra.

A independência do artista é crucial para sua criação. O cão não morde a mão que alimenta. Quando o artista depende das verbas estatais para sobreviver, ele terá que atender a demanda de burocratas poderosos que decidem o seu futuro com uma canetada.

Quem alega que os artistas nacionais precisam da mão estatal ignoram que é justamente a livre concorrência que obriga a busca constante pela melhoria. Quando o produto é bom, as cotas e subsídios são inúteis. Basta ver o sucesso de alguns filmes brasileiros recentes. Nada como a concorrência para aprimorar a qualidade.

A cultura é algo extremamente valioso. Justamente por isso, o governo não deve interferir no assunto. A cultura não deve ser imposta de cima para baixo, mesmo que as elites condenem a preferência vulgar do povo. Deve-se preservar a liberdade de escolha. Quanto a tais escolhas, deve-se lembrar que gosto não se discute, só se lamenta.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 07/02/2012.

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