segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ladrão x otário

Vera Cristina Guimarães Martins

E porque é temporada de estreias, lá está o cidadão tentando ignorar as propagandas enquanto espera o filme começar. Pois é, no cinema a publicidade é obrigatória, não há controle remoto. Mas há filas enormes, sessões esgotadas, impossibilidade de escolher o assento, estacionamento extorsivo, plateia mal-educada.

Essa complacência poderia até ter seu seu charme e entrar na conta do figurino culturete se fosse exceção, não regra. A verdade é que, como consumidores, estamos acostumados a pagar muito, literal e metaforicamente, em troca de produtos ou atendimento de quinta.

Pule para a TV a cabo, e o cenário não será melhor. Com a qualidade dos canais abertos, assinar é questão de sobrevivência. E eles têm as séries, que concentram a melhor dramaturgia americana hoje.

O pacote continua tão caro como no começo, embora a publicidade e o número de assinantes tenham crescido. Comerciais autopromocionais são repetidos à náusea, transformando 20 minutos de episódio em meia hora. Proliferam os programas dublados, sem dar ao cliente o direito básico de optar pela legenda.

O calendário é uma incógnita. Por que, em tempo de comunicação on-line, os canais insistem em submeter o cliente a esperas de meses após a exibição nos EUA?

Piratas tornam disponíveis episódios de seriados duas horas depois da exibição em território americano. Em um ou dois dias, dezenas de fãs fazem rapidamente a tradução (com qualidade frequentemente superior à dos canais) e boas legendas, que postam gratuitamente na internet.

Por incrível que pareça, no Brasil são os canais oficiais de distribuição de TV que mutilam a criação original: formato ruim, qualidade visual sofrível, critério de exibição confuso (alguns nem sequer exibem os títulos originais), dublagem que põe a perder a qualidade dos atores.

Quando o produto pelo qual se paga caro é pior do que aquele que se pode obter de graça, qual é a saída?

Apelar para a ética do usuário. É só lembrar a campanha publicitária que mixa apelo e ameaça para dizer que o download ilegal é crime da mesma magnitude que roubar carros ou bolsas. Argumento equivocado, tarefa inglória.

Equiparar o roubo de carros ao hábito doméstico de baixar arquivo não autorizado oferecido na rede não é licença poética, é apelação patética.

No primeiro, conceitos de propriedade, compra e venda, lucro e prejuízo são cristalinos e consensuais. Na pirataria da rede, os contornos são borrados. Não há compra e venda, e o fim não é o lucro, o que alimenta a ilusão de que nada é de ninguém, tudo é de todos.

Desconfio que escorar-se em uma lei ultrapassada para convencer o usuário de que sua alternativa é ser otário ou ladrão não vai funcionar. Respeito talvez desse mais certo.
 
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 13/02/2011.

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