A quem interessa
Que, à beira do abismo,
Fiquemos à espera,
À espreita sinistra,
De sermos lançados ?
A quem interessa
Manter-nos no poço,
Reter-nos na cova,
No máximo
ponto profundo,
Subterrâneo imundo,
Esparzidos de lama,
Inumano universo,
Bisonha choupana,
Que do inferno emergiu ?
A quem interessa
Andarmos com pressa
Pularmos, corrermos,
Buscarmos, sofrermos
E a nada chegar ?
Ao fim da jornada,
Ao fundo do nada,
Em meio à surpresa,
Ouvir o exclamar:
Pra quê !
E nesse calvário
Uns, loucos se tornam;
Uns, morrem na estrada;
Uns, caem, levantam,
Bordejam no escuro,
Lamentam, avançam
E trombam no muro.
Se um muro caíra,
um outro nos cerca.
Separa quem ganha,
Para que jamais perca
De quem vem atrás:
Indesejável reserva,
Imprestável presença,
Baldado incapaz.
E vão-se as moedas,
E voa dinheiro,
De todos os tipos,
Exato seria:
Navegam, não voam,
Num mar de efígies,
Com todas as caras,
Opostas, coroas
De todos os reis,
Sumos que são
A quem avassalam ?
Aos povos, quem mais !
E mal vos pergunte:
Governam assim:
Oprimem, exploram ?
Valias que ondulam
Cotadas, taxadas
E ainda jungidas
Num câmbio que hesita
Em tirar ou ceder.
Aliás, por favor,
Esclareça-me ainda:
Moedas ou povos,
Qual tem o valor ?
No mesmo compasso
Em que portas se fecham
A quem na labuta
Intenta viver.
Que saiam os braços,
Expulsem-se os homens,
Que morram mulheres,
Os velhos, crianças.
Não mais necessários
(Se o foram outrora).
Fora as pessoas,
As gentes, os seres
Em tempos passados
Chamados de humanos.
Que reinem as coisas.
As marcas, o logo,
As mercadorias...
As parafernálias
Da tecnologia,
Sutis objetos,
Vis bugigangas.
Mais pesam que homens.
A estes, suas vidas,
Não mais têm sentido.
Nenhum fútil sonho
Irrompe-se à vista;
Não mais esperança
A ceifar os estorvos
De vida vazia,
Sem eira nem beira...
Expressão categórica:
Vida niilista.
Em triste poesia:
Vida sem vida.
Lancem-se os dados.
Ouçam-se os brados:
“Eu vendo, eu compro”
Supremo cassino
Em alta os negócios,
Em baixa as pessoas.
Que morram escondidas.
Perfeita chacina.
Cruel genocídio.
Notícias: os números.
Expressam os lucros,
Contábil paisagem,
Às vezes farsesca,
Conforme convenha
A quem administra.
Produto que expande,
Coincidentemente
A estelionatos,
Estupros e roubos,
Aos assassinatos...
A crimes, enfim,
De todos os tipos.
Que venha a estatística,
A tornar nossa era
Tão característica.
Quão reveladoras,
Quão vagas, vazias,
As informações:
Os dados de fato,
As vãs previsões,
Os meros boatos...
Fazem em bolsos,
Tão poucos, minguados,
Quanta abastança !
Fazem miséria !
Geram nos cofres
Dos mais opulentos,
Nos seus cabedais
Em contas ocultas
(Paraísos fiscais),
Dos que não precisam,
Mas querem horrores,
Brotar mais riqueza;
Enquanto que a tantos,
Aos mais desvalidos,
Vão-se o espírito,
A honra, a guarida,
A dignidade,
O sorriso, o alimento...
Ei-los, os novos burgueses:
Gurus financeiros,
Majestosos mentores
Tão esfuziantes
Do airoso universo
Dos santos papéis.
Em júbilo, todos,
A tais divindades
Loas cantemos.
Rezemos o aumento
Sem freios, contínuo
(Glória, estupendo !)
Das margens fragosas
Dos seus rendimentos,
Dos seus portfólios;
Em nada sensíveis,
Dando de ombros,
Se suas ações
No instante seguinte
Serão causações
De males,
De dores, de quedas,
De infâmia, de mortes,
De angústias,
De deprecações.
Eleitos que são,
Não deixam por menos
Fazem questão
De em mãos ter as rédeas
Da bela manada.
Ao passo que os pobres,
Os pobres diabos,
Os que não têm headge,
Os que não têm lastro,
Enfim, não têm nada
Aqueles que pedem
Um reles vintém,
Surgem qual ratos –
E como tais seres
são mesmo tomados –
Nos becos imundos,
Nas vilas socadas
Nos mais sujos cantos,
Das periferias,
No meio do mato,
Ou sob viadutos,
Nas tantas favelas.
Nas mãos não têm rédeas,
Mas bolhas e calos,
Reviram entulhos,
Alando a fragrância
do fétido cheiro de lixo virado.
Ei-la: a parte não nobre,
A classe sem sorte,
Sem berço ou status,
Qualquer formação,
Sem charme ou padrão,
Sem boa aparência;
Etiqueta, qual o quê !
É gente encardida,
Asquerosa, nojenta,
Abjeta, ignóbil,
Nauseabunda !
Em quem não se nota
Nenhum turvo brilho
Ou glamour, ou encanto
Por breve que seja
(Afronta à beleza).
Não fazem presença
Nas festas mais chiques
Repleta de cliques,
Insignes, VIPs
De gente bonita
Bem-apessoadas
Cujo anfitrião
É gato ou cachorro
De madame boçal.
Mas se, afinal
Tem a dama distinta,
Ou quiçá o playboy,
A dondoca, o patrão,
Ou quem mais corra às veias
O sangue azulado
(ou verde do dólar ?
Quem sabe, é dourado ?!)
Se têm, tais ilustres
A propriedade,
Que não se cogite
No mundo haja mal...
À choldra, coitada,
Quem há de outorgar
Minutos de fama,
Qualquer fidalguia,
A menor regalia,
Presença cativa,
Mostrando-se o tal
No espaço comprado
Da coluna social ?
Desprovidos que são
De bom sobrenome,
Tradição, elegância,
Padrinho, poder.
Conforme caminham
Recônditos, trôpegos,
Desvanecem, definham
Desaguando no leito,
Do rio de dinheiro,
No mar financeiro,
Que à deriva os leva,
À queda mortal.
E toca-se o barco,
Ao léu navegamos.
Uns brigam, uns choram,
Uns vencem, mas poucos,
Desprezam os fracos,
Seu frêmito, o choro,
Sua ausência de gozo.
Saber não conseguem
As suas razões.
Desdenham, deploram,
Desprezam sem pena
Das reclamações.
Se a si cada qual
Constrói seu destino,
Por que, bradam os fortes,
Os que tudo podem,
Os bem-sucedidos,
As tantas lamúrias ?
Sois livres, uns clamam.
Sois fortes, queremos.
Mas, livres, se o somos,
O somos pra quê ?
Se fortes o somos,
A quem enfrentar ?
Sucesso convive
com humilhação.
Paradoxo perverso:
Orgulho dos parcos,
Opróbrio do irmão.
E salve o que é livre,
E o livre é infalível,
Inexpugnável.
Vivas, mais vivas
Oh, mundo perfeito !
Tão globalizado !
Oh, fluxo frenético !
Oh, eficiência !
Não importa que à custa
De tanta indigência.
Concorramos com todos,
Contra nós mesmos:
Esgrima macabra,
A ferir quem é looser;
Espada empunhada
Em mão invisível
Que esmurra os pequenos,
Que afaga os distintos.
Ritual fratricida.
Ultrajar taciturno.
Liturgia funesta.
E segue-se a briga
Mantenha-se o rumo:
Não mais há fronteiras
Na via-crúcis dantesca.
Do vitorioso,
capaz, portentoso:
Escuta-se a voz.
Do outro, caído,
O silêncio é o que emana,
A palavra não clama,
Não vibra, não chama,
Calou-lhe o algoz.
Que mundo é esse,
De onde surgiu ?
Qual deus o criou
Com feição de inferno ?
É de um deus que se trata,
A quem não se opõe,
Contra o que não se pode ?
Um deus que estrangula
Seus filhos com a mão
Invisível também,
Assim como é certo
Sê-lo inviso,
E petrificado,
O seu coração.
A nós de futuro,
De expectativa,
Ao olhar para frente
Não temos visão.
Se muitos padecem,
De fome, de praga,
De sede, sem honra,
Sem mais esperança,
Sem ver horizonte,
A vergonha no espelho,
Despencam na estrada
Servindo de piso,
De esteio, de sola,
De prêmio, de veio,
De estrada de ouro:
(Amarelos tijolos;
Seriam vermelhos ?)
Aos poucos que seguem
Por sobre seus corpos,
E por não olharem
Abaixo o que pisam,
À frente prosseguem
Felizes, mas cegos.
Mas hão de tombar,
Mais cedo ou mais tarde,
À realidade
Tão dura e injusta
Em que vivem, mas calam.
Até que um dia
Também esmagados
Um som pelos ares
Há de estrondar:
Um som horroroso,
Um berro macabro,
Não mais gargalhada,
Nem doce gemido.
É sôfrega súplica
Em tom de pavor.
Ungido de sangue,
É quase um rugido:
É um grito de dor.
Mas eis que do nada
Tão inusitada
Surge a virada de todos os cantos
No fim dessas contas
A conta não fecha
A história prossegue
Sem fim da história.
Abertas as praças,
As mídias tecladas
Tuítes e faces
Palavras criadas
Criando de novo
As ágoras novas
Qual Grécia Antiga
Aos gregos de hoje.
Unidos a outros
Na Espanha, Tunísia,
No Egito, no Iêmen,
Na Líbia que engole
O tirano tirado
Da cena do povo.
Em Londres, o fogo
Lisboa, o protesto
No Chile, os alunos
Nos dando a lição:
Se grande quer ser
Qual grande nação
Não vai se abster
De esforços voltar
À educação.
E as cobras criadas
Na mesma cultura
Agora afrontada
Nas ruas da City
De olhos abertos
Naquela que insiste
Em sempre mudar
Em nunca dormir
Seguir e lutar
Ainda que tentem
A ela explodir
Ainda que façam
Sua gente chorar
Pois gritam que chega,
Não só a quem venha
Do longe Oriente
Também bramam versos
Não meras bravatas
Aos próprios vizinhos,
Ganância de terno,
Gel, pose e gravata,
Sabidos yuppies
Que operam na NYSE
Sem ter outro assunto
Além de ambições
O destino do mundo
Não é mais com eles
Não veem ou escutam
A massa que clama
Com tanta vontade,
Por crer em futuro,
Por oportunidade,
Por um novo rumo.
Um novo mundo,
Uma nova era.
A partir desta
Às demais primaveras.
Tão inusitada
Surge a virada de todos os cantos
No fim dessas contas
A conta não fecha
A história prossegue
Sem fim da história.
Abertas as praças,
As mídias tecladas
Tuítes e faces
Palavras criadas
Criando de novo
As ágoras novas
Qual Grécia Antiga
Aos gregos de hoje.
Unidos a outros
Na Espanha, Tunísia,
No Egito, no Iêmen,
Na Líbia que engole
O tirano tirado
Da cena do povo.
Em Londres, o fogo
Lisboa, o protesto
No Chile, os alunos
Nos dando a lição:
Se grande quer ser
Qual grande nação
Não vai se abster
De esforços voltar
À educação.
E as cobras criadas
Na mesma cultura
Agora afrontada
Nas ruas da City
De olhos abertos
Naquela que insiste
Em sempre mudar
Em nunca dormir
Seguir e lutar
Ainda que tentem
A ela explodir
Ainda que façam
Sua gente chorar
Pois gritam que chega,
Não só a quem venha
Do longe Oriente
Também bramam versos
Não meras bravatas
Aos próprios vizinhos,
Ganância de terno,
Gel, pose e gravata,
Sabidos yuppies
Que operam na NYSE
Sem ter outro assunto
Além de ambições
O destino do mundo
Não é mais com eles
Não veem ou escutam
A massa que clama
Com tanta vontade,
Por crer em futuro,
Por oportunidade,
Por um novo rumo.
Um novo mundo,
Uma nova era.
A partir desta
Às demais primaveras.
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