quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O gênero que muda a linguagem

Luiza Nagib Eluf


Há poucos dias, recebi uma mensagem via internet contendo um comentário assinado por uma pessoa que eu desconheço. Ela criticava as feministas e o governo em geral. A razão era o fato de Dilma Rousseff preferir ser chamada de presidenta.

Dizia o e-mail que a palavra presidenta não existe, assim como não existem estudanta, adolescenta, pacienta e sorridenta. Por essa razão, Dilma não teria o direito de "violentar o nosso pobre português apenas para ficar contenta" (sic).

Esse comentário infeliz vem sendo secundado por alguns incautos, que, por não conhecerem o vernáculo ou acharem engraçado o texto, repassam o seu conteúdo aos seus amigos e amigas.

Mas é bom deixar claro que nada há de errado no termo presidenta, assim como são corretas as palavras governanta e parenta, dentre outras que fazem o feminino de substantivos com o sufixo "ente"ou "ante" usando "a".

O Aurélio define presidenta como "a mulher que preside". Além desse, outros dicionários da língua portuguesa consignam o verbete, acrescentando que também pode significar "a mulher do presidente".

Dicionários à parte, é preciso lembrar que os postos de poder sempre primaram pela nomenclatura no masculino. É claro. Se mulheres não podiam assumir cargos de comando por imposição patriarcal, a linguagem secundava essa exclusão, eliminando as designações desses postos no feminino.

Não faz muito tempo, as magistradas pioneiras em suas carreiras assinavam seus nomes e acrescentavam embaixo "juiz de direito".

Da mesma forma, algumas pioneiras do Ministério Público também registravam seus cargos apenas no masculino. Embora o nome fosse de mulher, abaixo dele constava "promotor de Justiça". A justificativa, que não mais se sustenta, era que esses cargos haviam sido criados por lei apenas no masculino.

É incrível a dificuldade que certas pessoas têm para perceber o sistema de dominação embutido na linguagem. As regras gramaticais não brotaram do nada, elas têm um histórico secular que pretendeu tornar a mulher irrelevante, a ponto de deixá-la invisível.

Assim, em português e em outras línguas europeias, o masculino é sempre dominante. Por exemplo: "o leitor", representando todos os leitores e leitoras; e "o homem", representando toda a humanidade.

Mas o mundo mudou, e a linguagem precisa acompanhar essa mudança. É nesse particular que Dilma incomoda os conservadores: ela torna evidente que seu cargo é ocupado por uma mulher.

O linguajar se presta a definir quem é superior e quem é subalterno, quem é importante e quem é irrelevante, quem deve ser ouvido e quem merece ser ignorado, quem tem autonomia e quem precisa obedecer. Dessa forma, ele molda a nossa maneira de ser e de pensar.

É intrigante a resistência em atender à vontade de Dilma de ser chamada de presidenta, sabendo-se que o termo no feminino já se encontra reconhecido nos dicionários da língua portuguesa há longos anos, portanto muito antes de termos a primeira mulher a comandar o Brasil.

Para nós, é da maior importância termos a presidenta que temos. Ela não é apenas mulher, ela valoriza a condição feminina.

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LUIZA NAGIB ELUF, 56, é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretária nacional de Cidadania e é autora de livros como "A Paixão no Banco dos Réus" e "Matar ou Morrer - O Caso Euclides da Cunha" (ambos pela editora Saraiva)

Publicado na Folha de S.Paulo, em 08/02/2012.

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