sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Moças se sentiam cortejadas como se fosse a primeira vez

Xico Sá



Com a morte de Wando, a música brasileira perde o seu professor titular de educação sentimental para as massas. A ausência do cantor mineiro não nos deixa órfãos. Pior: nos deixa brochas.

Homem que é homem chora e bebe essa morte até os cotovelos perfurarem a insensível fórmica do balcão do botequim mais próximo.

Em tempos de marmanjos vacilões e promessinhas metrossexuais de salão ("ai se eu te pego"), Wando representava a convicção da pegada mais erótica e sincera do cancioneiro romântico.

Não à toa, morreu na condição de curador do maior acervo de calcinhas do planeta -seu sonho era fazer um museu das peças.

A lição do professor Wando aos jovens apressados que sempre comem o cru e nunca o bom cozido das relações afetivas: "O amor é paciência e elegância", disse, em entrevista recente a Edson Franco, na "IstoÉ Online".

Atenção senhores pais e autoridades do MEC: a lírica de Wando merece figurar no próximo exame do Enem. Melhor jeito de formar sentimentalmente as novas gerações.

Na pedagogia do autor de "Fogo e Paixão", o macho falhar na alcova era algo humaníssimo. Coisa que o homem dos tempos enviagrados das ereções artificiais não parece admitir. "Afago teus cabelos/ Beijo tuas costas e nada/Caem dos meus olhos/Duas lágrimas geladas", cantava.

Para as fêmeas, Wando representava não apenas a resistência à frouxidão masculina como também a nostalgia de um certo cavalheirismo que já foi para as cucuias. Com ele no palco, as moças -mesmo as de passado muito fortes- se sentiam cortejadas como na primeira vez.

O artista sabia que a cantada é como a revolução de Mao Tse-tung. Tem que ser permanente. Ele cantava todas o tempo inteiro.

A democracia do xaveco geral e irrestrito atingia até a ambiguidade erótica dos belos travestis do centrão de São Paulo, como testemunhei em um show no Largo do Arouche. Gênio. O amor é mesmo paciência e elegância.

Nelson Gonçalves morreu, Waldick Soriano morreu, Wando morreu e o macho romântico brasileiro não está passando muito bem.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 09/02/2012.

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