terça-feira, 8 de maio de 2012

Tinoco representou nacionalmente a alma do paulista não urbano

Júlio Medaglia

Com a morte de Tinoco desaparece o outro componente da dupla sertaneja chamada com muita propriedade de "Coração do Brasil".
Nenhum intérprete ou conjunto vocal representou nacionalmente, com tanta autenticidade e expressão, as coisas simples da alma do paulista não urbano como o fizeram Tonico e Tinoco.
Filhos de imigrante espanhol com uma mulata brasileira, a identificação da dupla com os elementos da vida rural não se deu por acaso. Seus pais trabalharam em fazendas do interior paulista e tanto os temas como o próprio jargão empregado nas canções tinham a ver com suas realidades efetivas.
Da interpretação de "Tristeza do Jeca", de 1925, à primeira apresentação profissional numa rádio, em 1935, foram anos de descoberta e criação de um estilo que se cristalizou na era do rádio, que se iniciava com grande impacto na sociedade.
Com problemas de sobrevivência em consequência da Segunda Guerra, os pais de João (Tonico) e José Perez (Tinoco) resolveram embarcar para São Paulo.
O destino dos espanhóis na primeira metade do século 20 em São Paulo era o de trabalhar com ferro-velho. O dos artistas de música sertaneja autêntica não seria, é claro, o de serem conhecidos com sobrenomes espanhóis.
Foi assim que, num programa de calouros da Rádio Difusora de São Paulo, na qual se lançaram ao sucesso, foram chamados por um velho radialista de Tonico e Tinoco.
E, se o rádio era o grande veículo popular dos anos 1940, o circo era o palco onde os artistas expunham suas imagens ao público. Assim a dupla dividia a carreira entre o microfone e o picadeiro.
No final da Segunda Guerra, a música "Chico Mineiro" os projetou também nacionalmente. De lá passaram pelas principais emissoras de São Paulo, tanto de rádio como de TV, e fizeram centenas de viagens pelo país, atuando até mesmo no Theatro Municipal de São Paulo, em 1979.
Com a modernização da produção de bens de consumo rurais foi desaparecendo esse personagem conhecido como caipira ou jeca.
A industrialização trouxe também uma mercadologia musical que pretendeu tirar proveito dessa forma de expressão rural, o que fez surgir o que se pode chamar de "sertanejo pop".
As rádios que possuem as maiores audiências estão mergulhadas nesse repertório de duplas vocais que tem mais a ver com um bolerismo brega, melodoloroso e verborrágico do que com a música autêntica, pura e com cheiro de capim dos irmãos Perez, ops, de Tonico e Tinoco.

JÚLIO MEDAGLIA é maestro e compositor.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 07/05/2012.

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