Júlio Medaglia
Com a
morte de Tinoco desaparece o outro componente da dupla sertaneja chamada com
muita propriedade de "Coração do Brasil".
Nenhum
intérprete ou conjunto vocal representou nacionalmente, com tanta autenticidade
e expressão, as coisas simples da alma do paulista não urbano como o fizeram
Tonico e Tinoco.
Filhos de
imigrante espanhol com uma mulata brasileira, a identificação da dupla com os
elementos da vida rural não se deu por acaso. Seus pais trabalharam em fazendas
do interior paulista e tanto os temas como o próprio jargão empregado nas
canções tinham a ver com suas realidades efetivas.
Da
interpretação de "Tristeza do Jeca", de 1925, à primeira apresentação
profissional numa rádio, em 1935, foram anos de descoberta e criação de um
estilo que se cristalizou na era do rádio, que se iniciava com grande impacto
na sociedade.
Com
problemas de sobrevivência em consequência da Segunda Guerra, os pais de João
(Tonico) e José Perez (Tinoco) resolveram embarcar para São Paulo.
O destino
dos espanhóis na primeira metade do século 20 em São Paulo era o de trabalhar
com ferro-velho. O dos artistas de música sertaneja autêntica não seria, é
claro, o de serem conhecidos com sobrenomes espanhóis.
Foi assim
que, num programa de calouros da Rádio Difusora de São Paulo, na qual se
lançaram ao sucesso, foram chamados por um velho radialista de Tonico e Tinoco.
E, se o
rádio era o grande veículo popular dos anos 1940, o circo era o palco onde os
artistas expunham suas imagens ao público. Assim a dupla dividia a carreira
entre o microfone e o picadeiro.
No final
da Segunda Guerra, a música "Chico Mineiro" os projetou também
nacionalmente. De lá passaram pelas principais emissoras de São Paulo, tanto de
rádio como de TV, e fizeram centenas de viagens pelo país, atuando até mesmo no
Theatro Municipal de São Paulo, em 1979.
Com a
modernização da produção de bens de consumo rurais foi desaparecendo esse
personagem conhecido como caipira ou jeca.
A
industrialização trouxe também uma mercadologia musical que pretendeu tirar
proveito dessa forma de expressão rural, o que fez surgir o que se pode chamar
de "sertanejo pop".
As rádios
que possuem as maiores audiências estão mergulhadas nesse repertório de duplas
vocais que tem mais a ver com um bolerismo brega, melodoloroso e verborrágico
do que com a música autêntica, pura e com cheiro de capim dos irmãos Perez,
ops, de Tonico e Tinoco.
JÚLIO
MEDAGLIA é maestro
e compositor.
Publicado
na Folha de S.Paulo, em 07/05/2012.
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