terça-feira, 25 de setembro de 2012

Fim em si

Ruy Castro





Outro dia, mandaram-me um vídeo de um cantor japonês. Comecei a assistir. Cantor, canção e vídeo eram anódinos. O japonês estava de perfil. De repente, com um corte, a câmera mostrou uma cantora japonesa, também de perfil e também anódina. Finalmente, a imagem revelou: os dois eram um só, metade homem, metade mulher, divididos pela vertical, e com as vozes correspondentes. Não faz muito, esses exotismos eram coisa do "Acredite se Quiser", de Ripley, que saía nos jornais.

Todo dia recebo vídeos com imagens de desertos mexicanos, estepes russas, trigais espanhóis, geleiras polares e praias brasileiras. São de tirar o fôlego. Sem falar dos edifícios, viadutos e ilhas artificiais de Dubai. No passado, essas imagens saltavam das páginas da "Manchete" para a vida real e nos faziam babar.

E os vídeos sobre animais? Não param de entrar. São galinhas chocando cachorros, gatas lambendo esquilos desamparados e cadelas amamentando porquinhos órfãos. Em outros, veem-se golfinhos, pinguins e babuínos mais expressivos que certos atores de novela. Tudo isso, além de filmes sobre a vida sexual dos pernilongos, é material que, até há pouco, só se via em revistas como "National Geographic Magazine" ou no canal Discovery.

E, naturalmente, não falta quem mande fotos de estrelas do cinema que cometeram o erro de envelhecer e embagulhar. Ou de gente famosa em poses indiscretas, como a alemã Angela Merkel tirando meleca, Obama, com os sapatos furados, ou Kate Middleton, de topless. Enfim, o tipo de assunto que costumava ser privilégio das revistas de escândalos.

Em 1885, o poeta Mallarmé dizia que tudo no mundo existia "para acabar em um livro". Hoje, pode-se dizer que o mundo existe para acabar na internet. Com a qual ficamos dispensados até de sair à rua para fazer parte dele.


Publicado na Folha de S.Paulo, em 24/09/2012.

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