quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Latejar

Misturadas, água e lágrima escorriam pelo corpo. O ódio e um sentimento obscuro a mostrar-se como culpa – “Por que culpa, meu Deus?” – escorriam pela alma. Cabeça a latejar. O tapa, o tapa, o tapa. Em compasso com o palpitar nervoso do coração. Também pulsava, ininterrupta, a sentença: “Vagabunda! Vagabunda!”. Maldito mantra. Teria quisto, merecido, provocado? “Tantas perguntas, meu Deus!” Era lindo, mas não o queria. A amiga, sim. Quem sabe, sendo lindo, devia também querê-lo. Devia, devia? Só que a amiga o viu, chamou-lhe, era dela. No entanto, apontou-lhe o banco de trás do carro importado. Banco de couro. A si, mandou sentar-se na frente. Mandou, mandou! Do banco de couro, sorriu amarelo à amiga: “Que posso fazer, ele mandou”. Só carona, mais nada. Fantasia emprestada, assim, destruída. Será sangue esse vermelho? Aceitou a carona, ficaria em casa. Da amiga, sim, seria o carnaval. Ducha fraca, nem o corpo lavava.
Ecoava a voz do irmão: “Puta, sua puta!”. Retrucava: “Quem é você?”. “Sou homem, posso!”. Posso, posso, posso... Latejava o tapa que se seguiu à recusa. Àquele seguiu-se a voz que vibrava, no ritmo da dor: “Para todos, menos para mim?!”. Não, não queria. Não assim. Era lindo, mas não assim. A imagem da amiga, derrotada: “Escolheu você; é seu o carnaval”. O carro, tão raro no subúrbio. Maldito banco de couro. Pediu que a deixasse também; indiferente, partiu. Ameaçou gritar, saltar, ceder. Lindo, lindo... Então, o tapa – “Para quê o tapa, meu Deus?” –, o estrondo, a dor, o medo, a entrega. O toque forçado, a carne invadida, o gozo sem gozo, a alma humilhada... a fantasia rasgada. Fantasia? O tapa latejando qual a voz da mãe: “Quer emprenhar de moço rico, quer?”. Nem pensar. Tirava, tirava. Só queria viver. Ser feliz... feliz. Sumir dali de uma vez por todas. Queria escorrer pelo ralo. Como a lágrima que caia dos olhos e a água, do chuveiro. Inútil. Continuava a se sentir imunda.

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